segunda-feira, junho 11, 2007

Até que a morte nos separe I

Depois de sete anos de namoro, em meados dos anos 80, decidimos casar. Era isso ou terminar tudo. Sete anos é muito tempo quando temos vinte e poucos anos. É um investimento pesado e custa pensar sequer que o melhor é mesmo atirar tudo ao ar e partir para outra.
- Estou cansada disto, quero ter a nossa casa, o nosso canto. Quero ter filhos!
- Filhos?!! – e o tom de voz deixava perceber o susto.
- Sim, filhos. Uma filha… tu sabes. Temos família mas vivemos cada um para seu lado, acho que está na hora de construir a nossa. Que dizes?
- Tu é que sabes. É capaz de ser melhor. Por este caminho sinto que cada vez estamos mais afastados.
- Certo, e como vai ser? Não sei se me apetece um grande casamento… não tenho paciência para festivais de moda e gastronomia.
- Bem, lá estás tu a mergulhar de cabeça, a decidir tudo sozinha…
- Se acabaste de me dizer que eu é que sei. Não te entendo. Afinal sei ou não sei? Até porque se eu ficar quieta qualquer dia temos cinquenta anos e ainda somos namorados.
- Esquece… faz o que quiseres!

Quando anunciei o casamento para dali a três meses a primeira reacção foi de espanto. Apesar do longo namoro creio que ninguém na minha família tinha pensado que me pudesse casar com o Pedro. E muito menos assim, em três meses. Como se, de repente, não houvesse mais tempo e tudo fosse para ontem. Os comentários provincianos surgiram, a má-lingua da cidadezinha do interior apressou-se a fazer os seus julgamentos.
O meu pai exibiu um dos seus olhares reprovadores e disse que não ia comentar o assunto, mas respeitava a minha decisão. A mãe foi mais emotiva, embora tentasse disfarçar as lágrimas.
- Tens a vida toda à tua frente. Uma profissão de futuro e tantos projectos. Vais casar para quê?
- Ó mãe, que pergunta! E tu casaste para quê?
- Pois, para me arrepender amargamente. Pensei que fosses mais inteligente que eu e que não caísses no mesmo erro. Afinal és uma pateta como todas.
- Sou apenas uma mulher, mãe, como outra qualquer.
- Está bem! Faz o que quiseres. Mas se casas, casas nas minhas condições. Quero ver-te de branco, o teu pai a levar-te ao altar, uma festa com a família toda. Ou é assim ou não vou!
- Ai mãe, não sejas exagerada! Vais sim, nem que eu case de calças de ganga, tu vais. Mas pronto, faço-te a vontade e fazemos um grande baile de máscaras.
E desatámos a rir, eu porque realmente achava que todo o cerimonial do casamento era uma palhaçada e ela porque ficava sempre nervosa com as minhas modernices, sem saber bem o que esperar da sua filha única sempre tão rebelde.
Foi uma correria. O tempo voava e os pormenores que mais me preocupavam não eram os habituais. Cada vez que falava comigo, a minha mãe não conseguia disfarçar o pânico.
- Mas não devia estar aí o meu nome e o do teu pai? Um convite amarelo mostarda é muito estranho, não achas? Bem, gosto do poema da Sofia!
- Menos mal, mãe! Pelo menos gostas de alguma coisa…
- Não vais faltar à prova do vestido, pois não?
- Não mãe, fica descansada que a tua menina vai ser uma noiva bem ao teu gosto. Não te preocupes com essas ninharias.
- Ninharias, dizes tu!? Sabes que todos os olhos vão estar postos em ti, a noiva é a estrela do dia… e sabes bem que esperam uma oportunidade para nos acusarem, a mim e ao teu pai.
O estigma social do divórcio a pesar em todas as decisões. Que ninguém pudesse apontar o dedo ao casal que se divorciara sem ter em conta o futuro da única filha. E sempre caía sobre mim a responsabilidade de ser perfeita, a melhor aluna, a jovem mais séria, a melhor profissional, a que encerrava em si todas as promessas, todos os sonhos, o futuro feliz, aquela que a família observava como abutres à espera da carniça, à espera do mais pequeno deslize para poderem saltar num festim de recriminações e comparações com as primas que até tinham menos possibilidades económicas e menos estudos e menos... Se lhe dermos oportunidade, a família pode ser o nosso pior pesadelo.
- Sim, mãe. Vou ser Vénus, que nem sequer é estrela mas brilha que se farta… pára de te preocupares! Não fui sempre a melhor, alguma vez te deixei ficar mal?
- E queres explicar-me porque é que não vais convidar a…
- Mãe, pára, não vás por aí. Já cedi no vestido e na chatice do fotógrafo. Não vou convidar quem tu queres. Acho que é uma coisa para ser testemunhada por pessoas que signifiquem alguma coisa para mim e para o Pedro. E ponto final. Não me faças repetir tudo outra vez.


Conto original de Conceição Alves C. (que como se sabe continuará...)

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