quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Ser Eu

Quando era menina surpreendia os meus pais pedindo lições de equitação para substituir as de piano que já me cansavam. Subia às árvores e andava por cima de tudo quanto era muro, em vez de brincar com as bonecas trazidas de Madrid pelo pai que sempre desejara um filho homem e a quem a natureza tinha dado uma filha arrapazada. Cedo desistiram de me domesticar. Não valia a pena lutar com as tranças que sempre voltavam a casa sem laçarotes.
Um dia a mãe resolveu levar-me a cortar o cabelo. Foi um dia de lágrimas. Silenciosas. Era o meu traço feminino. Fazia parte da minha identidade. A mãe ficou confusa: "Não querias ser rapaz? Agora pareces um!"
Não, nunca quis ser rapaz... mas sempre gostei de os desafiar no seu território. Odiava que me espetassem na cara as coisas-que-rapariga-não-faz. E fazia! Desobedecia. E suportava o castigo, aceitava-o de cabeça erguida, recebia-o como contrapartida ao prazer que me dava vencer. Aprendi que não há almoços grátis. Sei que nada na vida vem sem trabalho, sem dor, sem pagamento. Aprendi a lutar por aquilo que quero. Sem truques de menina bonita e frágil. Apenas indo lá com aquilo que a natureza me deu.

O meu defunto dizia-me muitas vezes para me pôr no meu lugar de mulher. Nunca consegui que me explicasse onde era esse lugar. Desconfio que era muito abaixo dele. E por isso mesmo fui à procura de quem me quisesse lado a lado.

Ainda não encontrei :/ !!

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