terça-feira, maio 15, 2007

Capítulo Segundo

Há coisas que não sabemos explicar. Sequências de acasos ou situações que parecem obra de um destino marcado do qual não se pode fugir, coincidências demasiado coincidentes para serem apenas coincidências, como se num céu feito de estrelas, luas cheias e poeiras cósmicas tudo se conjugasse para nos decidir o caminho. Acreditava nesse destino que abre portas ou que constrói muros à nossa volta. Mas também acreditava que é possível rasgar janelas, derrubar paredes e escapar, embora nunca na impunidade total. Não negava a luta e tinha aprendido recentemente que tudo tem um preço, por vezes tão elevado que desmerece o esforço.
Eram outras histórias... delas queria reter apenas a aprendizagem despejada de lágrimas ou lembranças. Sentou-se ao computador sem objectivo certo. Abriu o browser e começou a navegar na vastidão de páginas. Aquele mundo imenso de realidades mais ou menos virtuais, de informações mais ou menos úteis, notícias mais ou menos tristes, de curiosidades e ideias e novidades e sonhos dava-lhe um gozo difícil de dispensar. Era o seu terceiro olho, a janela do conhecimento e da descoberta que lhe saciava a fome.
A página surgiu do nada, ocupava todo o ecrã do monitor numa provocação à saudade. Era a segunda vez no mesmo dia que pensava nele. E porque não tentar saber? Na pior das hipóteses ele guardaria dela apenas uma recordação poeirenta num arquivo qualquer entre como-foi-que-nos-perdemos e já-nem-me-lembro-da-tua-cara. De qualquer modo, detestava arrepender-se de não ter tentado. Vamos lá então!, escreveu rapidamente o nome, a última morada conhecida - durante as férias dela em casa da mãe viviam na mesma rua, passeavam no parque do mesmo bairro, riam com os mesmos amigos, conversavam horas a fio, partilhavam gostos, silêncios e cumplicidades e trocavam cartas que falavam de ausência, de planos e sonhos - informações que considere relevantes... e as letras a juntarem-se em palavras naquela outra língua que sentia como quase sua, em frases que não diziam do tempo que passara por ela mordendo-lhe os flancos e obrigando-a a seguir sem olhar para trás nem do jardim secreto onde entrava pela porta do lado esquerdo e se sentava nos baloiços da memória..., gravar, deseja alterar ou acrescentar alguma informação?, não, enviar. E pronto, a partir dali já não estava nas suas mãos.
Conto original de Conceição Alves C. (continuará num destes dias...)

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