Mais (des)Educação 3 - O sorriso dela
Porque é fim de semana e não me apetece grande polémica, tomem lá uma historinha para pensar. Mas não muito!
Aqui há uns anos, uns 5 talvez, eu dava aulas no Secundário. Tinha turmas de Artes e de Economia, também uma de Humanísticas. O programa de Inglês da altura era uma coisa enorme, vasta mesmo. Mas se fosse bem explorado era também muito interessante, talvez o mais interessante de sempre, estimulava a discussão e lembro-me de ter conversas com as turmas que se estendiam além dos 50 minutos normais da aula.
Era outro tempo também, um tempo em que os alunos, pelo menos os meus, não tinham uma ligação directa à campainha que os fazia levantarem-se e ir embora deixando-me a meio de uma frase. Um tempo, e nem sequer muito distante, em que os alunos não olhavam os relógios enfadados, e quando ouviam a campainha diziam "Já???"
Lembro-me de falar sobre o plano Marshall com os meus "economistas"... e lembro-me dos comentários do Ricardo, que acompanhei durante 4 anos lectivos seguidos, sobre a minha admiração pelo dito: "A stôra é assim... o sorriso dela diz tudo, é uma sonhadora!". Foram eles que me ensinaram a analisar o que não está escrito, as entrelinhas dos projectos e leis que pretendem ajudar os desfavorecidos, foram eles que tornaram mais esclarecida a minha ingenuidade de humanista como lhe chamavam...
Lembro-me do Marco, que nem sequer tinha Inglês, mas que lá estava nas minhas aulas sempre que podia. "Mas tu não és da concorrência?" "Sou, sou um agente undercover..." Tínhamos em comum uma admiração por Tim Burton, e eu adorava a forma com ele dizia "cartoon like colouring".
Era uma turma louca por cinema. Discutiram-se os anos 50 e 60 na América, os problemas da Irlanda do Norte, eu sei lá, usando sempre filmes como base para a conversa. Um dia entrei na aula e encontro-os todos em pé em cima das mesas... alguém disse baixinho "1, 2, 3..." E todos em coro "Captain, my captain!". Celebraram assim a lição nº 50, com esta alusão simples a um dos meus filmes preferidos, e um cartão onde agradeciam ter aprendido a "ver com todos os sentidos". Mal sabiam eles que era eu a agradecida. Foi um privilégio estar com eles, e com muitos outros.
E lembro-me de um dia ser chamada ao Executivo porque uma mãe tinha deixado uma carta onde me acusava de passar o tempo a falar de programas de televisão, o "Big Brother" para ser mais precisa. Os meios de comunicação eram um dos temas do programa, mas é claro que a senhora não sabia isso. O Presidente tratou de esclarecer a situação e ponto final.
Mais tarde encontrei na rua uma das minhas alunas desse ano. Já estava na Universidade, e tinha uma cadeira sobre Comunicação: "A stôra lembra-se das nossas discussões sobre o Big Brother? Tive 18 num trabalho sobre a influência dos meios de comunicação de massas. Lembrei-me das nossas aulas, usei alguns apontamentos que fiz." Eu sorri. Era a filha da senhora que me tinha censurado as duas aulas passadas a discutir um concurso de televisão.