domingo, maio 27, 2007

Capítulo Oitavo

O tempo que passara mastigara-lhes a alma. Eram duas pessoas diferentes daqueles jovens que, numa noite quase em vésperas de Natal, se tinham beijado intensamente na estação antes que o comboio da vida e as suas exigências os levasse por caminhos tão diferentes. Tinham alimentado os seus demónios à custa do gosto amargo das derrotas, construído pedra a pedra as suas defesas, pois nem sempre se ganha e é preciso prevenir sofrimentos desnecessários. E agora, naquele quarto de hotel, debitando tolices para fugir ao que realmente deviam dizer, procuravam nos traços um do outro os sinais da época extraordinária que tinham vivido juntos.
Saíram para jantar, Tienes que probar las patatas gallegas, son muy buenas!, claro que sim que provaria tudo o que ele quisesse, Confio en ti como siempre…, e era verdade. Partilharam a sobremesa porque ele continuava a não ser grande apreciador de doces e ela vivia em constante luta contra os quilos a mais, decidiram procurar a movida nocturna da cidade e quando encontraram um bar que servia caipirinhas ela sentiu-se em casa. De copo na mão sentaram-se nas escadinhas no meio de uma praça qualquer e ele descansou um braço nos ombros dela. Uma chuva miudinha fê-los procurar abrigo e correram de mãos dadas com a mesma naturalidade que o faziam antes. Andaram de um lado para outro até quase de madrugada, saltaram de tema em tema numa conversa imparável, e chegaram à conclusão que tinham tomado a decisão certa. Tengo la sensación de haber estado contigo la semana pasada!, Sí sí, parece que el tiempo no ha pasado y empiezo a creer firmemente que has sido calvo toda tu vida…, Que mala eres!, e riram da pequena maldade dela, desse sentido de humor que tinham em comum junto com tantas outras coisas.
Amanhecia na Cidade de Cristal quando ele a levou ao hotel e regressou ao seu. Caiu na cama e dormiu um sono pesado até os raios de sol a despertarem já depois do meio-dia. Ele devia estar quase a sair da sessão de sábado no congresso de ginecologia e ela cheia de preguiça, enrolada nos lençóis de onde só saiu quando ele bateu à porta e teve que ir abrir.
Todavia de pijama? Que perezosa eres!, ela riu-se e entrou na casa de banho enquanto ele se estendia na cama e fechava os olhos cedendo ao cansaço de uma noite sem dormir. Depois do duche, envolta na toalha, deitou-se ao lado dele e dormiu de novo. Acordou com o olhar dele a perscrutar-lhe o rosto. Como es que duermes tanto?, Yo que sé, tu estavas dormido, me senti tranquila, estar contigo siempre me ha dado esta sensación de paz, de que nada malo puede pasar!, sorriram e ele achou que talvez pudessem agora falar daquela última noite e do beijo que nunca tinham esquecido. Mas ela não queria falar disso, podiam falar de tudo, mas não daquele beijo, não da tatuagem que traziam no peito, porque se o fizessem…, Te quiero!, e o perfume pairava no ar e os lábios dele procuraram os dela. Não havia forma de fugir e ambos sabiam disso. Voltou a beijar-lhe a boca, chupou-lhe a língua ávida, a paixão a acender-lhes a pele, a eriçar-lhes os pelos, a impedi-los de pensar e as mãos dele já no calor dos seios e a descer à procura da evidência da vontade de o receber. Penetrou-a quase a medo, devagarinho, mas ela puxava-o para si, as ancas inquietas a colarem-se ao corpo dele. Fizeram amor numa pressa, num cio pesado, acumulado durante anos. Os gemidos sufocados dela acompanharam o bater mais rápido do coração dele e a explosão dos sentidos, por fim sem as reticências e as incertezas de quem tem apenas vinte anos. Abraçaram-se, o cheiro a sexo colado à pele e todos os vazios preenchidos ainda com a intensidade do acto.
Conto original de Conceição Alves C. (quase a terminar...)

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