terça-feira, maio 29, 2007

Último Capítulo

Sábado ao final da tarde em La Coruña, um mar de gente pelas ruas, casais passeando tranquilamente perto da marina, turistas em busca dos locais mais emblemáticos da cidade, as esplanadas sem uma única mesa livre. Os Espanhóis vivem muito na rua, no convívio de bares e cafés, como todos os povos do sul de sangue quente e alegria contagiante, tão latina, uma forma de estar na vida, uma condição influenciada pelo tempo ameno que a partir de finais de Fevereiro já se vai fazendo sentir e que Serrat define quando canta as suas raízes afirmando um rotundo yo nací en el mediterraneo. Excepção seja feita aos Portugueses que parecem sofrer mais com as nostalgias e os fados da vida e que, nos últimos dez anos, adquiriram o mau hábito de se meterem em centros comerciais com a família toda porque é moda, porque parece bem passearem pelos corredores olhando as montras com olhos de quem não encontra o que procura, quando afinal não procuram nada a não ser a ilusão de serem o que não são. Eres muy dura con tu país! No creas que estamos mucho mejor…, e ela a explicar que apenas uma percentagem muito baixa da população tem acesso a bens de consumo comuns sem recorrer ao crédito, para já não falar de cultura… ela a fugir à conversa que se impunha, a tentar absorver a magia da cidade, a Torre de Hércules com o mar ali mesmo em frente, o mar que tanta energia lhe dava, que sempre a inspirava, e a tentar esquecer que, depois do que tinha acontecido, voltariam a ser apenas dois amigos de novo separados pela distância.
A ilusão do que poderia ter sido, adubada pelo sonho no jardim secreto do lado esquerdo do peito, desfazia-se a cada palavra sem que nenhum dos dois pudesse fazer nada. Olharam-se e adivinharam-se apesar do tempo. Na despedida ele abraçou-a como quem se agarra à última esperança, me has devuelto a la vida, e ambos sabiam que se tinham reencontrado no momento em que, por fim, se despiram do casulo de crisálida que fora o passado.
Na manhã seguinte ele voltou a Madrid, às responsabilidades familiares, aos seus projectos, à vida que dedicara a uma profissão demasiado exigente, mas desta vez com a certeza de que ainda lhe era permitido sonhar. E ela andou pela cidade à procura do que ali restava dos dois. Sentiu o sol no rosto, soube-lhe bem a solidão, a oportunidade de reflectir. Caminhou pelas ruas ensolaradas, e caminhou dentro de si mesma. Encontrou uma mulher inteira, que mesmo sem saber exactamente o que queria, sabia o que não queria. Dali para a frente a história seria escrita com o que ambos pudessem fazer do presente, com a consciência plena de que cada momento é irrepetível. Tinham, de facto, terminado com o passado, a tatuagem diluíra-se no suor da consumação, o casulo vazio permaneceria enterrado debaixo daquelas calçadas.
Meteu-se no carro e enfrentou a estrada de regresso. Quase a chegar a Lisboa, ligou para casa e quando a filha perguntou como tinha sido anunciou, com um sorriso aberto, Amanhã vou tatuar uma borboleta no pescoço!...

FIM



PS: Para o meu amigo Javier, pela sua fé inabalável em mim!

Conto original de Conceição Alves C. (... y este cuento se acabó!!)

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